Crônicas
Na escola as "tias' se revezavam nos ensaios dos alunos do 1º Ano Fundamental para a apresentação da dança em homenagem ao 'Dia dos Pais". No olhar de cada criança o retrato da ansiedade. Cada movimento das mãos e dos pés era repetido "mil vezes" para não errar no dia da festa.
- Vamos lá, Rosinha, não vai errar dessa vez!
E a menina superando suas limitações parecia flutuar nas nuvens amparada pelos amiguinhos ocultos, os “anjos sapecas”. Sim, porque a vontade de acertar e fazer bonito, era tanta, que seus pés se desprendiam do chão, e ela entrava no seu mundo de fantasia longe do pátio da escola. A voz da "tia" que lhe chamava atenção era substituída pela voz doce da "fada madrinha". Muitos amiguinhos do mundo imaginário infantil naquele momento lhe estendiam a mão, e ela se sentia mais segura. E, assim entre erros e acertos prosseguia na sua dança perfeccionista mantendo em segredo a ajuda que recebia dos seus fiéis amigos do "Reino Encantado". Próximo ao "Dia dos Pais", Rosinha, antes de dormir, rezava ao "Papai do Céu" e pedia para ajudá-la no grande desafio. E nessas noites abençoadas os sonhos eram lindos e ela acordava todas as manhãs com muita disposição (pronta para o ensaio) e confiante. Os preparativos para a festa na escola estavam sendo concluídos, quando uma das "tias" perguntou às demais sobre qual o título que deveria ser escolhido. Não demorou muito, e surgiu a frase original - “Pai, vem dançar comigo!” - Que agradou a todos. Rapidamente o letreiro foi confeccionado e colocado em posição de destaque no pátio. Na véspera da festa todo o trabalho tinha sido finalizado. Agora, era só esperar..., mas, a realidade da vida muitas vezes é cruel. O pai de Rosinha é um pai "ausente". Vale dizer, completamente indiferente e irresponsável. Não participa de nada. Não ajuda na criação da menina. Não presta nenhuma ajuda financeira para as despesas necessárias. Rosinha que vive apenas com sua mãe (mulher guerreira) não compreende a devida dimensão do problema. Inocente, imagina que seu pai, por ser um super-herói como tantos outros, ainda não reapareceu porque vive muito ocupado. Ledo engano. Agora, Rosinha vai participar pela primeira vez de uma dança em homenagem ao "Dia dos Pais". Antes, a mãe não a levava para a escola nessas ocasiões para evitar constrangimento. Dessa vez, porém, ficou difícil. Ela sonha com isso. É que Rosinha está crescendo, e começa a sentir de modo mais acentuado a ausência do pai. Enfim, chega o grande dia. Ela está pronta e quer dançar como nunca dançou na vida. Seus olhos brilham com intensidade. O entusiasmo é evidente. E lá vem a turma chegando em direção ao palco... Rosinha olha para todos os lados e nada de ver seu pai, o grande homenageado do dia. Só consegue enxergar rostos de homens estranhos. A apresentação começa e ela espera avistá-lo a qualquer momento. Ao final, ecoa no salão a voz da “tia” que comanda o espetáculo:
- Agora, as crianças vão ao encontro de seus pais para convidá-los a dançar!
E Rosinha corre sem saber pra onde... São tantos convidados. Uma lágrima ameaça cair de seus olhos. Cadê seu pai?
De repente, surge um homem muito mais amadurecido do que todos aqueles pais que estavam sendo homenageados. E Rosinha ao vê-lo corre ao seu encontro e o abraça com carinho. Em seguida, visivelmente emocionada lhe faz um convite:
- Vovô, vem dançar comigo!
E aquele homem idoso com sorriso jovial lhe responde:
- Claro, minha querida. Vovô te ama!
Pai, vem dançar comigo!
Tem certas coisas simples na vida que não tem preço. O teu aconchego é um bom exemplo. Quantas vezes, revoltado com a vida, sou surpreendido pelo teu gesto de ternura que renova as minhas forças e dá um novo sentido a minha existência.
O teu aconchego para mim tem um valor extraordinário. O efeito é imediato. Sempre acabo esquecendo os problemas do dia a dia e uma incrível sensação de paz invade o meu peito. Nessa hora, parece que as mágoas são jogadas ao mar, as dores das feridas suavizadas e as lágrimas recolhidas. Como é bom o teu aconchego... As tuas mãos suaves sobre a minha cabeça castigada por um redemoinho de pensamentos negativos. O teu olhar sereno a me acalmar, a tua palavra de conforto reativando a minha capacidade de sonhar. Quando isto acontece, agradeço a Deus por você existir. O teu abraço espontâneo e carinhoso é meu melhor refúgio.
Muita gente acha que o aconchego é apenas algo confortável. Eu, particularmente, o considero extremamente valioso. Ainda mais partindo de você, que sabe como ninguém aconchegar. Você faz um aconchego que penetra fundo no coração e na alma. Sabe acalentar e conduzir com mansidão o homem aflito, desorientado e sem perspectivas. Digo isto por experiência própria. Através do teu aconchego consigo superar o medo da solidão que tanto me aflige. Sinto-me protegido como um menino que precisa de colo. Você consegue me fazer sorrir novamente, mesmo sem querer. Tudo por causa do teu aconchego que mais parece uma dádiva dos deuses. O teu aconchego tem a marca da bondade, que me abriga e mostra que nem tudo está perdido. Tem a essência do carinho mais puro que me reanima. Diante do teu aconchego, sinto-me privilegiado. Vejo a vida mais leve. O céu bem perto de mim...
Aconchego
Quando viajo de VLT (Veículo Leve sobre Trilho) no Centro da Cidade do Rio de Janeiro, ao desembarcar na Parada “Cristiano Ottoni - Pequena África” sinto uma emoção agradável devido a duas razões: A primeira, é a referência ao nome do “ Pai das Estradas de Ferro no Brasil”, e a segunda, o fato da Prefeitura prestar justa homenagem ao espaço marcado por fortes traços culturais de herança africana. Desde 2016 o VLT carioca circula pelo Centro e arredores. É uma versão moderna dos antigos bondes que deixaram de funcionar em 1960. É um meio de transporte 100% livre de cabos aéreos de energia e com paradas em pontos estratégicos de grande interesse turístico. Além de ser um sistema moderno e sustentável de locomoção, através do qual o passageiro tem uma boa visão panorâmica, as paradas construídas facilitam o acesso ao porto, trem, metrô, barca, ônibus e aeroporto. O tempo passa e a revitalização da cidade é algo necessário. A “Parada Cristiano Ottoni – Pequena África” fica localizada defronte a entrada principal da Central do Brasil de onde partem os trens para os bairros do subúrbio onde residem a maioria da “massa trabalhadora”. Desde longa data existe no local a Praça Cristiano Ottoni com o respectivo monumento do homenageado. Mas, creio que para muitos cariocas o monumento passa desapercebido, ou não procuram saber o nome do personagem histórico ali perpetuado. É o sinal dos tempos, ou melhor, a agitação do dia a dia dos pedestres sempre correndo de casa para o trabalho e vice-versa para garantir o “ganha pão”. Acrescenta-se à isso, na época atual, principalmente nos grandes centros urbanos, o lamentável desinteresse pelos fatos formadores do patrimônio histórico-cultural da região. Daí, a inauguração da referida estação, ocorrida recentemente, veio colocar em destaque o nome do engenheiro e estadista nascido em Serro, MG, que foi o primeiro diretor da Estrada de Ferro Dom Pedro II (atual Estação Central do Brasil). E o fato dele ser irmão de Teófilo Otoni (estadista e desbravador heroico da região de Mucuri no nordeste mineiro) é algo digno de registro. Creio que a Família Ottoni constituída de personagens históricos de renome que muito contribuiu para o progresso do País merece ser reverenciada com o devido respeito e gratidão. Na minha infância morei numa rua do subúrbio carioca defronte a uma Estação Ferroviária e sempre viajei de trem no ramal da Central. E utilizo esse meio de transporte até hoje. Parece que o “balanço” do trem persiste dentro de mim... Minha preferência sobre os “veículos sobre trilho” permanece inalterada. E agora, viajar de VLT é uma experiência prazerosa. Quanto a denominação “Pequena África” (várias estações têm dois nomes para fixar a localização geográfica e homenagear a cultura africana) considero sugestiva. Convém ressaltar que o compositor Heitor dos Prazeres utilizou a referida expressão pela primeira vez no início do séc.20 ao fazer alusão à área onde “fervilhava” a cultura negra carioca e o samba despontava como gênero musical. Além do Centro, a área abrange a Zona Portuária e os bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Com a urbanização da região que não tinha infraestrutura básica, as moradias precárias foram demolidas, e a população negra que vivia a margem da sociedade acabou sendo deslocada para lugares longínquos. Mas, apesar disso, os hábitos e costumes do negro africano fincou raízes no local e influenciou gerações. E até hoje faz parte do cenário da cultura carioca.
Caso o leitor venha ao Rio, vale a pena viajar no VLT.
Próxima Parada: Cristiano Ottoni - Pequena África
Ganhei um aviãozinho de papel com o desenho de um coração. Agora vou sobrevoar os mares e montanhas e apreciar mais de perto o arco-íris. Mas não se preocupe, criança, pois farei de tudo para não causar danos ao pé de feijão que já atingiu as nuvens... Quem sabe eu possa fazer a bruxa despencar do cabo de vassoura? Quanto ao “tapete mágico", saberei evitar a colisão.
Ao penetrar no mundo da fantasia serei feliz para sempre... E, na “terra encantada” – onde a tristeza não tem vez – encontrarei abrigo. E então, refeito das agruras da vida renovarei o meu entusiasmo de viver. Este aviãozinho me levará, também, até a “cidade dos sonhos”, onde não existe violência. Lá, poderei escrever poemas e cultivar o jardim sem o risco de uma bala perdida. Quero, ainda, sobrevoar a planície verdejante e avistar os rios e lagoas sem poluição. Vou espargir flores pelo caminho e repartir o pão. Talvez encontre o asteroide “B612” (lembra-se do Pequeno Príncipe?) e, ao retornar num voo rasante tentarei espantar o “bicho papão” lá de cima do telhado... Serei um piloto sempre pronto para levar os recadinhos ao Papai Noel. Quero dar a volta ao mundo da alegria e, quem sabe, conseguir a poção mágica da felicidade. Pensando bem, querida criança, acho que minha maior felicidade é ver você sorrindo.
Aviãozinho de papel
Ainda era cedo, aproximadamente sete horas, e o sol já marcava presença anunciando que a segunda-feira seria ensolarada... Felisberto pegou a chave do carro e ligou o motor para seguir em direção ao trabalho. Na garagem, um vizinho o cumprimentou e ele respondeu “secamente”, sem prestar a devida atenção. Geralmente acordava às segundas-feiras com vontade de dormir mais um pouquinho. A preguiça era inevitável, ainda mais depois de um domingo marcado pelo churrasco e chopinho e complementado por um pagode sem hora para acabar... Mas os compromissos “falam mais alto”. E as “contas a pagar”, também. Por isso, ele respirou fundo e ligou o som para ouvir aquelas músicas suaves, que nos ajudam a enfrentar os “engarrafamentos” no trânsito, e deu partida no carro. Não demorou muito e, um jovem, dirigindo um carro “turbinado”, resolveu ultrapassá-lo fazendo uma manobra perigosa e quase causando um acidente... Felisberto ficou assustado e, muito aborrecido, iniciou uma discussão com o motorista irresponsável:
– Tá maluco?! Quer correr vai para um autódromo. Não tem amor a vida?
– Vai tomar banho, tio...
Felisberto, que já estava pronto para briga, ficou por alguns instantes pensando na resposta do jovem motorista que seguiu em frente. Refeito do susto, ficou aliviado pelo fato do jovem não ter sido mais agressivo. As consequências seriam imprevisíveis... Mas o desgraçado mandou que ele tomasse banho em plena manhã de segunda-feira com temperatura elevada e em meio a um trânsito caótico. E isso lhe pareceu uma deliciosa tentação. E agora, o que fazer? Como lidar com essa sugestão considerando as circunstâncias do dia, hora e local? Como deixar os compromissos de lado? E o trabalho? Tinha que encontrar uma solução...
Diante do sinal fechado, Felisberto ficou imaginando um plano para tomar o tão desejado banho... Mas nada de chuveiro. O seu desejo era tomar um banho capaz de refazer as energias e deixá-lo de bem com a vida. Portanto, não poderia ser um banho habitual, que tem como princípio básico a higiene do corpo. Nem mesmo um banho de ducha ou piscina resolveria o problema. Ele queria muito mais... Pensou no banho de mar e logo desistiu. Na verdade, queria um banho diferente. Algo novo e marcante. Lembrou que nunca tomou banho de rio e achou que talvez essa fosse a melhor opção. Analisou os “prós” e os “contras” e, quando já estava quase decidido, outra ideia surgiu em sua mente, dessa vez, com uma estranha luminosidade:
– O banho de cachoeira!
Mas, onde encontrar uma cachoeira próxima ao centro da cidade e sem poluição? Consciente de que teria uma tarefa difícil pela frente, logo percebeu que iria precisar de apoio. E nada melhor do que o apoio de um amigo. Por isso, resolveu telefonar para o Benevides. Pegou o celular e ligou...
– Alô, Benevides! Preciso muito de sua ajuda. É caso de emergência.
– Pode falar, amigo. Estou à sua disposição.
Felisberto explicou o problema em detalhes e o Benevides, rindo, muito pensou que ele estava brincando...
– Não estou brincando. O caso é sério. Vai me ajudar ou não?
– Tudo bem. Não precisa ficar nervoso. Você sabe que pode contar comigo para o que der e vier...
– Qual a sua sugestão? Onde posso encontrar uma cachoeira, sem poluição, não muito distante da cidade?
– Aguarde um instante. Vou pesquisar na internet. Daqui a pouco ligo de volta.
Ansioso, Felisberto ficou aguardando a resposta do amigo. O sinal abriu e, nada de ligação. Precisava estacionar o carro, caso contrário, ficaria sujeito à multa por falar ao celular dirigindo... No meio do “engarrafamento” infernal, só encontrou uma saída: simular um enguiço. Ainda bem que, logo depois que colocou o “triângulo” para alertar os motoristas, o Benevides ligou de volta.
– Alô, Felisberto! Encontrei uma boa indicação.
– Ótimo. É muito distante?
– Creio que sim. O tanque está cheio?
Felisberto sentiu um frio na barriga, mas procurando demonstrar determinação, foi logo dizendo:
– Estou disposto a enfrentar qualquer desafio.
– Então se prepare.
Em seguida, Benevides lhe deu todas as informações necessárias. Agora só faltava ligar para o chefe e inventar uma boa desculpa para faltar ao serviço... E assim foi feito. Então, olhou com atenção o mapa e pegou a estrada. Depois de algumas horas, finalmente encontrou o acesso para a cachoeira. Na realidade, um caminho de terra em mau estado de conservação. Dirigiu com cuidado e, no final, avistou uma placa de madeira indicando a direção para seguir a pé... Ansioso, não mediu esforços. Andou bastante e, assim que chegou ao destino, a primeira coisa que fez foi agradecer a Deus pelo que encontrou: uma maravilhosa cachoeira de águas cristalinas.
Felisberto ficou encantado e alegre feito uma criança. Há muito tempo não sentia tanta felicidade, e procurou aproveitar ao máximo aquele momento de integração do homem com a natureza. A paisagem era deslumbrante. Um convite à reflexão. Tudo parecia um sonho. Vontade de gritar para todo mundo ouvir: vale a pena viver! E quando teve a certeza de que estava sozinho, sem ninguém por perto, deixou a roupa de lado e foi tomar banho nu. Sentiu um prazer indescritível. Uma sensação de paz interior inimaginável. A cabeça leve e sem “stress”. O corpo envolvido por uma energia positiva que só a mãe natureza é capaz de dar. Após o banho, sentiu-se renovado e pronto para enfrentar qualquer “engarrafamento” e superar os desafios do dia a dia.
Banho de cachoeira
Para início de conversa, devo dizer que não se trata de bruxa pequenina nem de filha de bruxa rainha. A musa inspiradora desta crônica é uma mulher paulistana, que ganhou este apelido dos amigos. Muitas vezes, uma palavra é empregada no diminutivo como uma forma de carinho. Digo isto com convicção porque ela não é feia e muito menos uma mulher má. E aos espertinhos, também vou logo avisando que o apelido, neste caso específico, não tem relação com bruxa de “segundo escalão” e sem importância. Não é o caso. Ela tem um sorriso maravilhoso e o coração repleto de bondade. Meiga no trato com as pessoas, está sempre pronta a ajudar os semelhantes. Altiva, nunca se deixa abater e enfrenta a adversidade com muita determinação e coragem. Há quem diga que o apelido tem a ver com o fato de ela possuir elevada sabedoria esotérica e colecionar miniaturas de bruxa. Eis aí um bom argumento que não deve ser desprezado. Ela gosta de incenso e de vinho. Possui grande variedade de ervas para fazer chá. É alegre e extrovertida. Ama a vida e adora dançar. Sabe cozinhar como ninguém. E, se sente atraída por “luz de velas”. Aquele “pessoal do contra”, neste momento, deve estar sorrindo e exclamando:
– Já não se faz mais bruxa como antigamente...
Mas insisto em dizer que ela é uma pessoa muito querida por todos que fazem parte de sua legião de amigos. Reconheço que o apelido “bruxinha” (muito original) causa uma pontinha de desconfiança... Eu mesmo fiquei com “um pé na frente e o outro atrás” na primeira vez que tomei conhecimento. Hoje, refeito do susto, também sou seu admirador. Porém, confesso que, às vezes, sonho com aquela “poção mágica” capaz de me transformar num escritor de verdade... Mas, onde encontrar? Alguém sabe?
*Homenagem a uma amiga paulistana
Bruxinha
Maria leva uma vida dura. Não tem recursos e luta para sobreviver. Descrente de tudo, segue seu rumo com vontade de desistir. Talvez, “dormir para sempre", levando consigo aquele sonho despedaçado... Suas mãos calejadas buscam um ombro amigo em vão... E como um barco, à deriva, se vê perdida no mar de amargura. Ela trabalha como cortadora de cana e ganha um salário de miséria. Na verdade, é explorada. Não é tratada com o devido respeito. Nunca soube o que é cidadania. Nunca teve um lar decente. Vive com as companheiras num casebre sem as mínimas condições de higiene. Por causa disso, já ficou doente várias vezes. Mas o patrão “não tá nem aí...” Ele só quer saber se a colheita de cana foi boa... Quantos caminhões foram carregados... Pouco importa para ele as condições de vida das cortadoras de cana. Neste cenário, Maria, desnutrida e quase sem forças, levanta de madrugada e vai direto para o canavial trabalhar debaixo de sol ou de chuva. Afinal, ela está endividada com o patrão que lhe desconta os mantimentos. Caiu nesta armadilha e não sabe como sair. A dívida sempre aumenta. E o capataz do patrão controla tudo. Às vezes, Maria tem a sensação de que está acorrentada. Embora as correntes não sejam visíveis, ela sente a presença delas no corpo e na alma, tamanho o seu sofrimento. O pior é que essa situação não muda. As lágrimas secaram. A esperança acabou. E a sina continua. Até parece escravidão. Ou será? Quando chega a noite, Maria (mãe solteira) sente saudades do filho que não pôde criar. E nem sabe se o verá novamente. Por incrível que pareça, isso acontece em pleno século XXI e todo mundo finge que não vê. Para muitos, a vida é bela, um doce. Mas, para Maria, a vida é café amargo.
Café amargo
Vivemos na era das flores de plástico e coração de pedra. A artificialidade e a insensibilidade são marcantes. Busca-se o imediatismo a qualquer preço. Ninguém quer perder tempo com romantismo. Aliás, dizem que o romantismo “já era”... Ser romântico e cavalheiro nos dias atuais é “pagar mico”. Ser poeta, então, nem se fala, é correr o risco de ser ridicularizado. A moda agora é “ficar”. Conhecer alguém num segundo e imediatamente beijar, e muito. Nada de compromisso. Não precisa de diálogo. A gente vê isso com frequência entre os jovens. O ato sexual ficou banalizado e virou “transa”. Algo sem conteúdo e significado. Depois de ouvir aquele som “maneiro" e beber algo, leva-se para a cama e faz-se o “vuco-vuco”. Logo depois, “tchau” (vamos em frente que atrás vem gente). Na verdade, os jovens, e até mesmo os adultos que agem dessa forma, desconhecem o doce sabor da felicidade verdadeira. Carregam dentro de si um vazio imenso. Estão numa incessante busca da tão falada felicidade, mas nunca conseguem encontrá-la. É uma busca em vão. Tudo porque vivem num ciclo vicioso de vulgaridades.
Os hábitos e costumes sofrem mutações no decorrer do tempo, mas isso não significa que devemos deixar de lado valores que dignificam o ser humano. Não podemos confundir liberdade com libertinagem. A promiscuidade é uma ameaça aos valores éticos e morais, indispensáveis numa sociedade organizada.
Por outro lado, o desamor se alastra e o egoísmo assume proporções assustadoras nos dias atuais. A indiferença e a falta de compaixão estão escancaradas. O que prevalece é o individualismo. Basta dobrarmos a esquina para constatar a inexistência da caridade humana. O “menino de rua” perambula “cheirando cola” sem destino e dorme ao relento junto aos mendigos e loucos de todo gênero. Os drogados já formam um contingente gigantesco. E os desempregados buscam o chamado “trabalho alternativo” sem muita perspectiva. O salário mínimo é aviltante. O idoso aposentado tem um tratamento humilhante e doente, enfrenta as filas nos hospitais implorando por atendimento. A corrupção e o crime de mãos dadas desafi-am os poderes constituídos. A violência é assustadora. A bala perdida atinge o inocente e alcança a consciência de cada um de nós que permanece emudecido. Os assaltos são rotineiros. E já se fala em poder paralelo... É traficante, miliciano e margi-nais de toda espécie demonstrando, através de facções, ousadia e poder de fogo. Diante desse quadro, urge que sejam tomadas medidas sérias e eficientes.
Antes de finalizar, gostaria de dizer que usei as flores de plástico como referência do que é artificial. Reconheço que muita gente aprecia esse tipo de “flor”, talvez pela praticidade. Particularmente, entretanto, prefiro as naturais. Confesso que não suporto ver flores artificiais no jarro, enfeitando uma mesa... E acredito que não ficaria bem ofertar a uma mulher um buquê de flores artificiais, ou estarei enganado? E aos que se preocupam com o meio ambiente, aviso que o tempo de decomposição de plástico leva mais de 100 anos. Quanto ao “coração de pedra”... Dispensa comentários.
Flores de plástico e coração de pedra
Um Breve "Tour" na Cidade de Teófilo Otoni
Ao avistar ao longe aquele azul singelo fiquei em dúvida... Seria da Igreja Matriz ou do céu? O fato é que o meu olhar cansado e aflito encontrou naquele momento refúgio e consolo. Assim que me aproximei do centro da Cidade de Teófilo Otoni e entrei na referida igreja secular a paz tomou conta do meu coração. Então com o meu ânimo renovado iniciei um breve “tour” na Capital Mundial das Pedras Preciosas. Encontrei ao redor da Praça Tiradentes, nas copas das árvores centenárias, algumas preguiças vagarosas como sempre, e alvo de atenção de todos. Tal fato lembrou-me da corrida desenfreada que realizamos em busca da felicidade, principalmente nos grandes centros urbanos. Após uma rápida reflexão, indaguei a mim mesmo: Será que vale a pena essa pressa desmedida no dia a dia? Ou será que a felicidade está dentro de nós mesmos, conforme afirmam grandes pensadores do Oriente? Bem, após esse instante reflexivo fiquei surpreso ao encontrar um coreto semelhante àquele tão marcante nas recordações de minha infância. Estive na Praça Germânica (local onde foi erguido o monumento ao colono alemão) e no comercio informal de pedras preciosas que tem fama internacional. Em seguida fui conhecer o que considero o ponto alto da minha rápida permanência na cidade: A locomotiva “Poxixá” (a primeira “Maria Fumaça” da ferrovia Bahia – Minas a trafegar na região de Teófilo Otoni). Exposta à curiosidade pública, a máquina é símbolo do progresso idealizado pelo estadista mineiro Teófilo Otoni fundador da cidade. Nessa atmosfera histórico-cultural dei asas à imaginação e viajei no tempo que me transportou para o passado longínquo do século XIX. Então embarquei na “Poxixá” que se encontrava na Estação de Teófilo Otoni pronta para trafegar pela primeira vez rumo ao mar do sul da Bahia. A comunidade festejava com entusiasmo a inauguração da estação naquele ano de 1898. Quando a barulhenta locomotiva começou a se movimentar e expeliu fumaça, um misto de espanto e curiosidade tomou conta de todos. As crianças com medo ameaçaram se esconder. Mas, logo depois, ao ouvir o apito da “Maria Fumaça” elas ficaram sorridentes. De súbito houve mudança de cenário. O tempo retrocedeu ainda mais, desta vez para o ano de 1853. Ocasião em que vi o estadista e desbravador Otoni comandar um grupo de indivíduos nacionais e estrangeiros e enfrentar animais, índios e doenças na mata virgem de Mucuri com o objetivo de colonizar a região do nordeste mineiro. Confesso que fiquei emocionado ao vê-lo triunfante exclamar: “Aqui farei a minha Filadélfia”. De repente num “piscar de olhos” o devaneio acabou e voltei à realidade. Fui comer carne de sol com mandioca e tomar aquela cachaça típica mineira. Logo veio a noite e fiquei encantado com o cenário romântico da Fonte Luminosa musical. Ao pegar a estrada de regresso para o meu lar ouvi um grito ecoar na região montanhosa: Pogirum! Pogirum! Pogirum!
Nota: Pogirum (capitão de mãos brancas). Assim Teófilo Otoni era chamado pelos índios.
No porão da casa de Dona Milena, a arte reina absoluta. Não se trata, portanto, de um porão comum, geralmente usado como depósito de coisas velhas, objetos inservíveis e quinquilharias. O que o visitante constata de imediato é que a vida ali fervilha e o presente é vivido com intensidade. Tudo por causa do amor a arte. No porão transformado em ateliê, Dona Milena dá aulas de pintura a óleo sobre tela. Considerando o fato de tratar-se de uma professora com 85 anos de idade, ela também nos dá verdadeira lição de vida. Ao contrário de muitos idosos que se acham “velhos” e vivem à margem da vida, desmotivados e deprimidos, Dona Milena continua atuante, esbanjando alegria e ensinando arte. Eis aí um bom exemplo a ser seguido... Os alunos, orgulhosos, não se cansam de elogiá-la e procuram retribuir a atenção e carinho que recebem com dedicação ao aprendizado. Aliás, o que não falta é motivação. E sempre tem algum doce ou salgadinho e cafezinho para o lanche. O saudável convívio com uma professora tão especial acaba transformando todos numa grande família. E quem sai ganhando é a arte. As lições são transmitidas com apurada técnica, mas num clima de descontração, o que permite que cada aluno desenvolva o seu próprio potencial com liberdade. No intervalo das aulas, o “bate papo” é atualizado e as piadas alegram ainda mais o ambiente. A comunhão da arte com a alegria sempre dá bons resultados. É gratificante para nós, que amamos a arte, encontrarmos uma pessoa assim, que não se deixa abater pelo peso dos anos e segue adiante, com entusiasmo, transmitindo os ensinamentos a todos aqueles que desejam trilhar o caminho da arte plástica. O pincel nas mãos de Dona Milena parece um instrumento mágico, que nos faz sonhar diante de lindas montanhas, flores, céus azuis, nuvens de algodão, rios e mares. São tantas cores e texturas. Figuras humanas e animais. Tudo feito com rara beleza que a gente não esquece jamais.
Dona Milena
Creio que todos iriam gostar se existisse uma lei divina proibindo chuva e céu nublado aos domingos. Eu seria o primeiro a aplaudir. Ainda mais que sou carioca e adoro uma praia.
O que me leva a escrever essa crônica tem a ver com um fato que aconteceu justamente numa manhã de domingo cinzenta. Eu caminhava por uma rua do subúrbio, quando uma menina me olhou da janela gradeada de uma casa antiga e modesta. O olhar era tão triste, que machucou profundamente minha alma de poeta. A menina parecia que estava enclausurada. Sedenta de sol e liberdade. Fiquei muito comovido e senti uma vontade louca de retirar aquela grade da janela e libertá-la. Pensei comigo mesmo: “criança existe para brincar e sorrir, cantar e pular. Alegrar nossa vida de adulto. A criança nos impulsiona a seguir adiante na construção de um mundo melhor. Criança existe para ser feliz!”
Hoje em dia, a grade está presente na maioria das janelas dos imóveis residenciais como medida de segurança. Mas a criança não entende. Ela vive num mundo de sonho e fantasia e desconhece a maldade.
Depois que descobrimos a grade, não paramos mais... Colocamos grade de todo tipo nas janelas. Tem muita gente que, inclusive, exagera e coloca grade até no coração. E se fecha em si mesmo com medo da vida. Não quer correr risco. Não sabe que viver é enfrentar desafios. Cair e se levantar. Sorrir e chorar quando for inevitável. Mas nunca desistir. Não deixar morrer o sonho. Amar com intensidade, sem esperar nada em troca. E saber perdoar...
Acho que seria válida a colocação de um letreiro luminoso, ou mesmo um “outdoor” nos grandes centros urbanos com os seguintes dizeres: “Nada de grade no coração, seja livre para amar”.
Mas, voltando a falar especificamente sobre a grade nas janelas, reconheço que é uma medida preventiva irreversível na atualidade. Talvez, num futuro distante, a paz reine de forma absoluta entre os homens irmanados pelo espírito da fraternidade. Sem violência e desamor. Muitos dirão que isso é uma utopia. Mas, o que temos feito de concreto até agora para reverter essa situação deplorável? Precisamos fazer uma autocrítica. Refletir com seriedade a respeito do assunto. Confesso que tenho sido egoísta e acomodado. Reconheço que minha participação tem sido insignificante. Eu posso e devo participar ativamente, com determinação e entusiasmo, dessa luta pela paz e cidadania. Quem sabe um dia não seja mais necessário colocar grade nas janelas... Todos viveriam em completa harmonia. Sem medo e sem bala perdida. Queira Deus que isso aconteça. E que eu nunca mais encontre uma menina triste com o olhar perdido entre as grades de uma janela...
Grade na Janela
Pouca gente lembra que ela existe... Razão porque hoje, véspera de natal, senti uma vontade irresistível de homenageá-la através desta modesta crônica. Ela é uma mulher que tem muita determinação e coragem. Enfrenta os desafios e “vai à luta” sem perder a esperança. Acredita que nada será capaz de fazê-la desistir. Ela tem um objetivo definido que defende com “unhas e dentes”. Como uma fera ferida protege seus filhos e não se entrega. Cai e se levanta sempre. Pensando bem, ela é uma heroína. Vive sem deixar morrer o sonho. Mas não se trata de um sonho de caráter pessoal. Na verdade, o seu maior sonho é ver os filhos com saúde, livre das drogas e na faculdade. Para isso ela trabalha. Acorda cedo, viaja de trem, enfrenta as dificuldades do “dia a dia” e come o “pão que o diabo amassou”. Não tem marido e a minguada pensão que recebe não é suficiente para cobrir as despesas. Tudo é muito difícil. Às vezes, parece que o mundo vai desabar. Mas ela sempre encontra forças para seguir em frente. É mulher guerreira. Não quer viver dependendo de favores. Acredita em Deus e reza pedindo proteção. Sabe que ainda encontrará muitas pedras pelo caminho. Vive com os “pés no chão”. Não se ilude mais, facilmente. Carrega cicatrizes do passado sofrido que lhe serve de alerta. Apesar de tudo, não guarda rancor no coração. Ama os filhos de tal maneira que não mede sacrifícios. E quando chega o Natal, se deixa envolver pela magia que contagia a todos e assume o papel de Mamãe Noel. Vai às compras e usa o cartão de crédito para pagamento com o máximo de parcelas. Leva os presentes das crianças para casa como se fosse tesouro. Enfeita a pequena árvore de natal e à noite acende o “pisca-pisca”. Coloca o “chester” na mesa. Chama a criançada. Beija e abraça a todos. E deixa fluir aquele sorriso maravilhoso...
Mamãe Noel
O Natal, desde muito perdeu seu verdadeiro sentido. O que se comemora no Natal? Todos nós sabemos que é o nascimento do “Menino Jesus”. Portanto, deveria ser uma festa essencialmente de cunho religioso. Mas, hoje em dia, quase ninguém se lembra disso. O espírito de fraternidade, o ato de perdoar, reconciliar com quem nos causou mágoa, o fortalecimento dos laços familiares, a reaproximação com os vizinhos, a prática do bem, a caridade etc., é derivado dos ensinamentos do Mestre Jesus. Na verdade, no Natal temos a oportunidade de reconciliarmo-nos com Deus e refletir sobre as lições do Divino Mestre, principalmente aquela que diz: “amai-vos uns aos outros como vos amei”. O que a gente mais ouve nessa época natalina é a frase “Feliz Natal”. E pronto. Depois é só consumismo. Aquela correria para comprar os presentes. O sorriso artificial. A confraternização com os colegas. Cerveja e vinho. Os preparativos para o churrasco. A ceia com a família (drasticamente reduzida pela desestruturação familiar). Um pouco de bacalhau? Quem sabe (é artigo de luxo nos supermercados). Mas, tudo bem, um frango assado ou o popular “chester” resolve... Ah! Não se esqueça do “pisca-pisca” e da famosa árvore de natal. O resto é música. Muito “som” para animar a “galera”. Mas eu pergunto: Cadê oração em louvor a Jesus? Coitado do Padre... Entristecido ficou quando pensou em comprar algumas lembranças para os amigos e não encontrou nas lojas nenhuma figura do “Menino Jesus na manjedoura”. Só havia muito Papai Noel e árvore de natal de todos os tipos e tamanhos. Antes que algum afoito pense em me criticar, vou logo avisando que não sou contra os festejos natalinos. E considero Papai Noel e árvore de natal simbolicamente muito importante. Mas, por favor, pessoal, vamos lembrar-nos do aniversariante Jesus!
Natal sem Jesus
Naquela casa antiga e mal cuidada, onde o sonho não entra, as horas se arrastam penosamente... A teia de aranha na parede anuncia o desleixo. Dona Cotinha, sentada no sofá empoeirado, tenta afastar as moscas que não desgrudam do seu prato de mingau esquecido sobre a mesa. São três horas da tarde e o carteiro não veio. Nenhuma visita, para variar. E o cachorro morreu, sem um gemido sequer, para quebrar o silêncio. Na janela, a cortina desgastada balançando ao vento é um convite ao sono. Aliás, o que mais faz Dona Cotinha é dormir. E dorme com vontade de nunca mais acordar. Cansada de sofrer e de esperar. Muito mais cansada ainda de viver. Isso fica evidente quando anda “arrastando os pés” pelos cômodos da casa e com a tristeza estampada na cara. Foram tantas as amarguras, que seu coração ficou fragmentado. O calendário, para ela, não tem serventia. Todos os dias são iguais. O jardim está desfeito. E as baratas passeiam na cozinha. Os móveis estão danificados pelo cupim. E as paredes da casa mofadas. Há mofo no quarto e na sala. Mofo até no pão. A televisão enguiçada virou peça decorativa. E o telefone foi desligado por falta de pagamento. Quanto ao rádio, funciona precariamente. No quintal, apenas uma árvore centenária ainda resiste desafiando o tempo. Mas sem oferecer aquela sombra de outrora. O aspecto do quintal é desolador. No passado (quem diria), Dona Cotinha fazia doce de goiaba e de jaca. Plantava verduras e legumes. Colhia flores no jardim. E fazia a festa da garotada distribuindo manga, sapoti, carambola e jabuticaba. Bons tempos aquele! Uma grande variedade de pássaros enfeitava os galhos das árvores. E o beija-flor, toda manhã, de modo infalível, vinha até a janela deixar o seu beijo... Hoje, viúva e sem filhos, Dona Cotinha sente o sabor amargo da solidão. Sem parentes. E os amigos se foram... Está idosa e doente. Quem virá para conversar? Na varanda, a cadeira de balanço foi deixada de lado. Tudo é tristeza. Melancolia. Enquanto a morte não vem, Dona Cotinha vai levando a sua vidinha...
Vidinha
Tarde de domingo... Eu estava entediado, e resolvi fazer uma caminhada em um local diferente. As asas do destino (será que ele existe?) me levaram até o Parque do Carmo, na região metropolitana de São Paulo. Ao entrar no referido parque, fiquei encantado com a paisagem exuberante do bosque. Diante das cerejeiras floridas, confesso que fiquei emocionado, de tal forma, que as lágrimas de uma alegria incontida escorreram pela minha face. Então, senti uma sensação maravilhosa de paz, e pude compreender porque essas árvores são veneradas no Japão. Os japoneses têm o costume secular de contemplar as flores das cerejeiras (hanami) e a comunidade nipo-brasileira também realiza essa prática que já se tornou popular. Graças ao imigrante Hisayoshi Kataoka, que efetuou a primeira plantação de cerejeiras (sakura) na cidade, podemos usufruir desse grandioso bosque com mais de 4000 árvores. O fato de a floração ser muito curta, algo em torno de duas semanas, e uma vez só por ano, tem um simbolismo especial, que nos leva a refletir sobre a brevidade e beleza da vida. Convém ressaltar que numerosas pesquisas internacionais indicam que a flor de cerejeira é considerada uma das flores mais bonitas do mundo. O encanto da floração atrai muita gente. Os visitantes são envolvidos por uma sensação de felicidade e esperança. Até parece que o amor "paira no ar". Tudo é festa. Muita música e danças típicas, barracas de comidas, bebidas, e diversas apresentações culturais. Aproveitando a ocasião, comi o delicioso yakisoba e tomei saquê. A garotada se divertia por entre as sete esculturas de granito que compõem a obra intitulada "Sonho e Gratidão", cujo autor é Kota Kinutani. Muitos frequentadores faziam piquenique, e nesse cenário marcado pela diversidade étnica, fiquei pensando nas influências da imigração japonesa na cultura brasileira. Podemos citar as práticas de judô, karatê e aikidô (artes marciais), bem como de haibun, haigas, rengas, senryus e tankas (literatura). No campo da espiritualidade, o interesse pelo budismo e seus princípios filosóficos. Os cursos de ikebana e de etegami. As inovações nas artes plásticas. Na dieta brasileira, o consumo de chás e de diversos outros alimentos, tais como: o feijão azuki, o arroz cateto, a soja, o pepino, a abóbora cabotiá, o rabanete, a acelga, o caqui, o morango, a maçã fuji, etc. A culinária japonesa, por ser uma opção saborosa e muito saudável, atualmente é muito apreciada pelo brasileiro. Daí as inúmeras versões de sushis, e demais comidas originárias do país asiático. Também pudera, a maior população de origem japonesa no estrangeiro está radicada no Brasil. Antes de sair do local, procurei ficar o mais próximo possível das árvores, com o intuito de guardar para sempre na memória o colorido indescritível do panorama. De repente, com o sopro do vento, uma flor de cerejeira caiu sobre a minha cabeça, e alguém gritou: sorte pra você! Mas, não dei muita importância. Ao chegar em casa, encontrei o meu "bonsai" mais viçoso. Na caixa de correspondência tinha um exemplar da "Revista Brasil Nikkei Bungaku. Não demorou muito, recebi uma ligação de minha ex-namorada desejando reconciliação. Até mesmo um vizinho, que nunca me cumprimentava, acenou sorridente para mim. Solitário, com o frio batendo à porta, li alguns "haicais". Em seguida fui dormir, e sonhei que estava caminhando à noite por entre as cerejeiras em flor, iluminadas por lanternas de papel. Acordei de bem com a vida.
Inesquecível “Hanami” no Parque do Carmo
Há muito tempo, Dorian, tinha o desejo de ser pai. Finalmente, chegou o grande dia. Ansioso, diante da incubadora, quando viu aquele “pinguinho de gente”, ele não conseguiu evitar as lágrimas. Porém, não eram lágrimas amargas, mas sim de emoção. Pouco importava o fato daquele ser humano tão frágil e prematuro estar com os dias contados. Nem por um segundo pensou em desistir de acolher aquele recém-nascido que cabia na palma da mão. Na verdade, as lágrimas eram fruto da emoção de quem não se deixou levar pelas palavras duras da equipe médica que só diziam coisas negativas e com prognóstico sombrio. Dorian, predestinado a ser pai, viu naquele momento a concretização de um sonho. Quem haveria de impedi-lo? Ciente do peso da responsabilidade, estava determinado a enfrentar todos os desafios. Procurou um canto reservado, implorou ajuda aos céus e pediu força e orientação aos seus mentores espirituais, e fez aquela reza forte, capaz de iluminar o caminho de trevas e superar as piores contendas. Em seguida retornou ao berçário e com firmeza falou para todos ouvirem:
- O nome deste meu filho será Apolo (na mitologia grega é considerado o deus do Sol). Podem providenciar toda a papelada de adoção que eu assino. Por favor, agora gostaria de ficar um pouco a sós com ele...
Após a retirada da equipe médica, Dorian, com os devidos cuidados protocolares (avental, touca, máscara e luvas), aproximou-se da incubadora, olhou fixamente nos olhos do filho, e sentiu uma sintonia inexplicável. Com a ponta dos dedos, tocou suavemente na mãozinha do prematuro que lutava pela vida. Nunca havia experimentado momento tão sublime. Houve uma troca de energia de natureza transcendental. Depois de todos os trâmites burocráticos relacionados à adoção, Dorian sentiu-se aliviado, e pôde acompanhar, diuturnamente, o tratamento do filho sem barreiras de natureza legal. Apolo, para surpresa de muita gente, sobreviveu. O tempo foi passando, e aquele “pinguinho de gente”, hoje com dois anos de idade, vive junto ao pai, que o ama sem reservas. Na clínica de reabilitação, Apolo demonstra progresso na tentativa de andar e falar normalmente. As sequelas são muitas, e não se pode apressar os exercícios, e esperar que tudo seja resolvido como num passe de mágica. Pensando bem, talvez o menino seja a prova de que o milagre existe. Este acontecimento é digno de registro, porque nos dias atuais é algo raro. Existem muitos pais que se julgam heróis pelo pouco que fazem em relação aos seus filhos, assim como outros, que são irresponsáveis e abandonam seus filhos, como se fossem objetos descartáveis. Hoje, quando alguém pergunta sobre o menino, Dorian dá um sorriso largo, e mostra um vídeo onde Apolo aparece se esforçando para caminhar apoiado num suporte. Que belo exemplo de Amor e Compaixão!
Pinguinho de Gente
Você já cumprimentou sua célula nova na manhã de hoje? Pode parecer estranho, e até mesmo descabido essa minha indagação. Mas, tem fundamento. Não pense que estou delirando. Segundo pesquisas científicas, o corpo humano adulto é composto por trilhões de células (a quantidade é incontável). “É muito difícil precisar o número de células que nascem e morrem em nosso organismo a cada dia, mas calcula-se que o corpo de um adulto produz em média 300 milhões de células por minuto ou 432 bilhões por dia - uma renovação que ocorre, principalmente, em tecidos epiteliais e conjuntivos, responsáveis pelos revestimentos e pela sustentação do corpo. Essa taxa pode variar em algumas situações, por exemplo, quando o corpo precisa reparar uma lesão” (Recorte do texto intitulado “Quantas células do corpo nascem por dia?” – Clique Ciência – Ju liana Passos – Redação do UOL em São Paulo – www.uol.com.br/ tilt – Resposta fornecida pelo biólogo Evandro Niero, doutor em Biologia Celular e Molecular pela Universidade de São Paulo – Atua lizado em 07/05/2021).
Mesmo não sendo especialista no assunto, ouso em dizer que existe um processo constante de renovação das células, no qual as mais antigas são excluídas para serem substituídas por novas. Tal fato constitui um exemplo típico do fenômeno da impermanência. Numa reflexão mais profunda, podemos afirmar que tudo é impermanente, sem exceção. Tudo é transitório. “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio…pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem!” (Heráclito de Éfeso). Aliás, a vida sem impermanência é impossível. E, não devemos considerar esse fato algo negativo, conforme muito bem acentua a filosofia budista. Como o recém-nascido se tornaria um adulto? Como a semente se tornaria uma árvore? O que seria dos sonhos e da esperança sem a impermanência? Como poderíamos transformar a nossa dor? Muitos dirão: mas, tem gente que nunca parou para pensar nisso. Eu acrescentaria, que nunca parou, inclusive para viver plenamente. Daí essa falta de percepção do processo mutável que regula todas as espécies de formas de vida. As pessoas estão sempre correndo, de modo desenfreado, em busca da felicidade, principalmente nos grandes centros urbanos, sem tempo para nada, daí essa desatenção. “Vivemos no esquecimento, procurando a felicidade em algum outro lugar, ignorando e esfacelando os preciosos elementos de felicidade que já existem dentro e fora de nós” (Mestre Thich Nhat Hanh). Muitos vivem como um barco ancorado no passado, sem sentir o sabor da aventura no mar da vida que sempre se renova, ou deixam seus pensamentos soltos, como um “tsunami”, invadirem a mente, focados demasiadamente no futuro. Diante desse fato, que causa danos à saúde mental com repercussões no corpo físico, a atitude mais sábia é viver no aqui e agora, não desperdiçando o tempo com preocupações inúteis sobre coisas que já passaram e com coisas que ainda não chegaram. Nesse particular, a “Atenção Plena” exerce papel fundamental. Basta pra ticar a meditação com disciplina, diariamente, mesmo durante cinco ou dez minutos, para obter inúmeros benefícios reconhecidos pela comunidade científica. Por incrível que pareça, a meditação pode ser realizada até mesmo caminhando. Não importa o lugar, o momento, e não requer, obrigatoriamente, acessórios, mecanismos, objetos e ritual. É preciso desmistificar a meditação, e mostrar que ela pode ser praticada por qualquer pessoa independente de sua crença e grau de instrução. Também não é um modismo, ou algo exótico. Evidentemente, requer uma postura com foco na “Respiração Consciente’’, cujas orientações devidas, podem ser obtidas por meio de uma fonte confiável. A meditação, historicamente, sempre foi considerada uma prática espiritual e religiosa. Aqui no ocidente, foi muito dissemina da através do yoga e do budismo. Mas, na verdade, até mesmo um ateu pode se tornar um meditador. Inclusive, hoje, a psicologia e a psiquiatria recomendam a referida prática. Convém ressaltar que a elevada compreensão da impermanência é alcançada através da meditação, razão porque não poderia deixar de tecer alguns comentários a respeito dessa prática milenar. Quanto à célula nova… lembre-se da palavra GRATIDÃO.
Bom dia, Célula Nova
No “shopping” enfeitado com decoração natalina, a “promoção do dia” atrai os endividados. Uma criança chora porque o sorvete caiu no chão e o servente faz cara feia porque terá mais trabalho pela frente. No “atropelo” das compras, o verdadeiro significado do Natal é “atropelado” pela propaganda comercial e pelo consumismo. No estacionamento lotado, muita gente briga por uma vaga, e o segurança, inseguro, não sabe o que fazer. Papai Noel, cansado e com um sorriso forçado, se prepara para mais uma foto com uma menina no colo. É sempre assim... ou quase. O 13º salário se “evapora” num instante. O pedido de empréstimo é inevitável. O uso dos cartões de crédito (muitos até clonados) bate o recorde. Nesta época do ano, o “shopping” é “show”. “Show” de ofertas mirabolantes, brigas de casal, crianças perdidas, lançamentos de moda, novidades eletroeletrônicas, sogras enraivecidas, filas para tudo, e muito mais... Ninguém consegue evitar o apelo, aquele “chamamento” estampado no “outdoor” e nos anúncios do rádio e televisão. A tia “encalhada” aproveita a ocasião e se enfeita, na esperança de encontrar “aquele senhor de respeito”, disposto a assumir compromisso sério. Os namorados não perdem tempo e exercitam a língua com beijo na boca de causar espanto. Na praça de alimentação lotada, encontrar uma mesa desocupada é uma tarefa extremamente difícil. Um grande teste de paciência. As pessoas parecem “hipnotizadas” pelos letreiros luminosos e pelas vitrines repletas de sonhos de consumo. As instalações modernas e o colorido fazem o consumidor se sentir em outro mundo... Ali não se vê as mazelas do caos social. O que conta é o prazer da compra. Sentir-se importante. Caminhar pelos corredores segurando os embrulhos como se fossem troféus. Satisfazer o ego. Lá fora, porém, a realidade é outra... Próximo à entrada principal, uma velhinha pede esmola. Na calçada, um grupo de “menores de rua” passa “cheirando cola”. Defronte ao “shopping”, alguns mendigos se abrigam debaixo da marquise. E, logo adiante, alguém grita “pega ladrão!”
É tempo de troca de presentes... É tempo de chope e de vinho. Correr atrás de “rabo de saia” ...
É tempo de rabanada..., mas cadê o Natal?